O SUBMARINO ATÓNITO
Aleluia! Todos os portugueses estão de parabéns! O primeiro dos dois modernos submarinos nacionais, encomendados na Alemanha, dará entrada no estuário do Tejo dentro de poucas semanas.
Por ente ventos e marés, correntes fortes de intrujice e descomunais ondas de propaganda, o moderno Tridente chega à pátria lusitana. Custou, mas foi! O Tridente é nosso, muito nosso, custou-nos os olhos da cara, mas valeu a pena. Pelo menos é isto que nos apregoam os mercenários da caneta, muito embora se levante uma interrogação no seio do Zé pagante. Afinal, para que servem estes submarinos?
Falta de patriotismo, já se vê. Como apregoam as gentes do mando, a pátria não se discute. É indispensável que Portugal se equipe com utensílios letais da última geração, que matem e arruínem de forma convincente, absolutamente high tech.
Esta foi uma aquisição indispensável. Só desta forma os nossos prezados políticos de serviço poderão apresentar-se sem peias nem restrições de qualquer espécie nos mais cosmopolitas areópagos, discutir as prementes questões da defesa da “comunidade das nações” com os seus homólogos de todo o mundo, sem que se sintam minimamente diminuídos. E com orgulho poderão proclamar que as nossas forças armadas estão dotadas de tudo o que de melhor se produz nas fábricas da morte.
Só desta forma será possível amamentar e ampliar um luzidio grupo de almirantes e outros oficiais superiores que, invocando a memória de Bartolomeu Dias, Vasco da Gama e outros comandantes navais do passado, terão justificado acesso às imprescindíveis regalias, agora já não sob a forma de cravinho, canela e escravos, mas sim em abundante metal sonante, mordomias variadas e criados para todo o serviço.
Só desta forma se consegue dar um reluzente contributo para a propalada economia nacional, não apenas através da compra dos Tridentes, acompanhados de uma pletora de peças, projécteis de todos os calibres e combustível, a encomendar durante todo a existência do submersível, mas também com as lembranças que aquecem as mãos dos vários intervenientes no negócio. Naturalmente este é um aspecto melindroso da manobra, que envolve os seus riscos. Como se confirma, aliás, com o julgamento a decorrer na Alemanha, de alguns intermediários locais que embolsaram grossas maquias com a traficância. Mas essas situações não se repetem por cá. O arreigado nepotismo lusitano, ancorado na teia dos interesses firmemente estabelecidos e na inevitável tradição de séculos, põe as hierarquias a salvo.
Só desta forma será possível, aumentar o orgulho nacional e impulsionar as intituladas gloriosas forças armadas. Será de prever, quando o Tridente chegar ao Tejo, uma cerimónia espampanante, mesmo uma tentativa de reproduzir as ufanas jornadas em torno da selecção de futebol, actualmente o único pretexto de mobilização patriótica utilizado pelos manhosos dirigentes do país, incapazes de sensibilizarem uma população descrente e em empobrecimento acelerado. Enfim, depois do grotesco espectáculo papal, é de temer um outro, este bélico, com pungentes invocações das forças armadas, deixando no olvido, como habitualmente, aqueles que sustentam todo este circo, as populações que tudo produzem e pagam, ou seja, as olvidadas forças desarmadas.
Tudo isto sem ilusões, naturalmente que semelhante chinfrim, como aquele do Papa, não pode competir com o espectáculo número um da nossa época. Ou seja, o espectáculo do dinheiro e dos seus tentáculos, alimentado e propagandeado pelos seus mentores e beneficiários, que domina completamente o dia a dia de todos os indivíduos.
Face a este cenário, se, devido a mais um milagre da santa, o submarino conseguisse reflectir, decerto ficaria atónito e questionaria. Como é possível que, num país empobrecido e periférico ao nível europeu, uns quantos indivíduos que, através da política, exercem um odioso domínio sobre uma população que por todos os meios, procuram manter na ignorância, se dediquem à compra de equipamentos bélicos, modernos e de elevado preço, quando os serviços de saúde vão sendo abandonados, as escolas fecham, o obscurantismo recrudesce e o interior do país é abandonado às auto-estradas, destinadas a trazer de fora a maior parte do que se consome e transportar turistas com destino a um mítico turismo rural?
Como é possível que o povo dum velho país, digno e arrebatado, permita um enxovalho destes?
Responda quem souber. Que a melhor reposta será aquela que todos nós teremos de dar diariamente, num combate por uma sociedade mais livre e justa, sem mercenários de qualquer espécie, numa luta para que sejam abolidas todas as armas e gastos militares. Uma sociedade de modelo diferente, em que esses submarinos mortíferos sejam jogados no caixote do lixo das coisas inúteis, aproveitados para utilizações de verdadeiro interesse, como a investigação científica, actividades infantis e de recreação, por exemplo. E despidos de armas.
Zé Luís