A “Estratégia” Afegã de Obama – Outra Tragédia Americana
Por Joseph Gerson*
Pouco tempo de pois do discurso sobre a escalada da Guerra no Afeganistão pelo presidente Obama, fui contactado pelo serviço em língua russa de Voz da América. Queriam entrevistar-me. Aqui estão as perguntas que me fizeram:
O que pensa da nova estratégia de Obama para o Afeganistão? Ficou surpreendido com esta? Pensa que seja possível levar a cabo todos os objectivos de Obama por altura de 2011? Poderia o Afeganistão, em sua opinião, deixar de ser um Estado fracassado?
Consciente das implicações trágicas do discurso presidencial, respondi da seguinte forma:
Como poderíamos ficar surpreendidos? Durante a campanha eleitoral de 2008 o candidato Obama repetidamente e despreocupadamente disse que a Guerra afegã era «uma boa guerra». Nessa altura era a coisa politicamente esperta a fazer e muitos dos seus apoiantes que estavam com razão ultrajados com os males praticados por Bush e Cheney simplesmente ignoraram o que ele estava dizendo.
Agora, ele está a levar a sério esse compromisso, quer ele acredite nele ou não. Politicamente, dado o poder do Pentágono e do complexo militar industrial, tal como a crença disseminada de uma supremacia dos EUA, não ele tem estado em boas condições para inverter a tendência, tal como o vice-presidente Biden, várias vezes, propôs. Deve-se, no entanto, notar que o presidente Obama pôs, desde logo, de lado a opção do general McCrystal de um aumento superior a 80 mil tropas. Obama procurou uma via intermédia entre as forças poderosas que se opõem nesta questão – incluindo o movimento dos EUA pela paz. Isto não resultará.
A suposta «estratégia» de Obama significa que haverá anos de tragédia e de oportunidades perdidas para gerações de afegãos, de cidadãos americanos e povos de muitos outros países. Está seguindo o «estilo Bush» com as enormes consequências negativas que advirão. Basta pensar nos empregos que não irão ser criados aqui, nos EUA, o dinheiro que não será aplicado nos serviços de saúde, na educação das nossas crianças e na construção das infra-estruturas do século XXI, que são necessários para que os EUA sejam capaz de competir economicamente com potências em ascenção e menos beligerantes.
A estratégia do presidente Obama, como os russos já sabem por experiência prévia, não poderá ser bem sucedida.
Apesar do presidente negar as comparações com o Vietname, a sua abordagem é um espelho da adoptada no Vietname pelo secretário de defesa Robert McNamara e pelos presidentes Johnson e Nixon: «a diplomacia coerciva». A «lógica» equivocada subjacente às contradições dum aumento massivo dos soldados no Afeganistão, com a vaga promessa de início de retirada por volta de 2011, é a de um aumento de poderio dos EUA para uma negociação, em melhor posição, com os talibãs. Obama quer aumentar o poder e influência dos EUA no Afeganistão, antes de aprovar conversações de Karzai com os talibãs ou de as iniciar publicamente e directamente, ele próprio.
De facto, discussões por detrás do cenário entre os EUA e talibãs são muito noticiadas na Europa, sendo que os EUA e seus aliados britânicos e alemães têm encorajado Karzai a integrar-se num processo iniciado pelos sauditas.
Infelizmente, tal como os presidentes Johnson e Nixon, a abordagem de Obama não poderá resultar. Com a sua corrupção fenomenal, a sua sustentação baseada em senhores da guerra repressivos e misóginos e com as mortes causadas pelos ataques da NATO/EUA, os corações e as mentes dos afegãos não irão aderir ao governo Karzai ou às forças de ocupação dos EUA. Analogamente aos fracassos de «vietnamização» da guerra no início da década de 70, a ideia de que os EUA seriam capazes de triplicar o tamanho do exército afegão, isolá-lo de senhores da guerra corruptos e das influências do próprio governo Karzai, dando-lhe, em simultâneo, o «élan» e capacidades de combate modernas, em apenas dois anos é realmente um sonho oco. O mesmo se pode dizer do plano para aumentar imenso e profissionalizar a polícia afegã.
Note-se que a promessa do presidente Obama, em iniciar as reduções de tropas em finais 2011 é muito vaga. No melhor dos casos, veremos uma redução mínima de tropas uns meses antes a eleição presidencial de 2012 e das eleições para o congresso. Mas permanece, ainda assim, a possibilidade de crescimentos posteriores das forças dos EUA, à medida que a guerra se estende para sul.
A fraqueza mais óbvia da dita estratégia de Obama, é a impossibilidade de transformar o governo corrupto e débil do Afeganistão num estado moderno e que funcione. Também aqui, as similitudes com o Vietname, onde os EUA impuseram e apoiaram uma série de ditadores corruptos, é impressionante. A pergunta à qual Obama não respondeu é a de saber o que irá acontecer quando Karzai, os senhores da guerra sobre os quais assenta o seu poder e seus aliados corruptos se recusarem a obedecer cegamente às ordens inscritas nos planos dos EUA? Parece improvável que o assassinem, como fizeram com o presidente Diem (do Vietname do Sul). Mas, se a vitória no Afeganistão é assim tão vital para os interesses dos EUA, irá assistir-se a uma simples retirada e a deixar que a derrota seja completa, quando apenas ficarem Karzai e companhia, tornando as coisas ainda piores?
Isto leva-nos a uma situação análoga à descrita em «Os Documentos do Pentágono» onde 85% dos motivos para continuar a guerra ou mesmo a sua intensificação, sejam a «percepção» de que os EUA, como super-poder milita, não devem ser desafiados.
Tal como já aconteceu com os EUA no Vietname e com a URSS no Afeganistão, isto será uma estratégia que irá sangrar os fundamentos da prosperidade interior, assim como a reputação e influência global dos EUA. Ao fim e ao cabo, as pessoas perguntam: «Se a Al Caida não está no Afeganistão, o que lá andamos a fazer?»
As sociedades não se mudam em dois anos ou mesmo numa única geração. O caminho não é de forjar uma falsa unidade em torno do plano presidencial auto-destrutivo. Pelo contrário, deve-se exigir que os EUA encorajem uma negociação entre todas as partes, de tal forma que seja criado um novo contrato social no Afeganistão. Isto teria de ser reforçado por uma conferência internacional e por acções de todos os principais estados envolvidos na guerra em ordem a ajudar a construir e apoiar esse tal contrato social. Com é evidente, isto também implicará reconhecer e solucionar as tensões entre a Índia e o Paquistão, tendo em conta o poder dos serviços secretos militares paquistaneses (ISI) e os interesses geoestratégicos e ambições dos poderes que têm insistido em desempenhar um papel – e perder – no «Grande Jogo».
*Joseph Gerson é Director de Programas e Director do Programa de Paz e Segurança Económica dos «American Friends Service Committee» em Nova Inglaterra